Blockchain - Novos Meios de Pagamentos e os Contratos

por Washington Almeida - Outubro/2016

Resumo: O Blockchain é um sistema que consiste na estrutura da contabilidade financeira de transações realizadas por por intermédio de moedas virtuais, como o bitcoin, o litecoin, o ethereum, entre outras. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar como essa estrutura sofisticada de escrituração permite a confecção de contratos inteligentes em seu ambiente, possível a partir da implementação da versão 2.0 do Blockchain.

Palavras chaves: Bitcoin, Blockchain, Contratos.

1 - INTRODUÇÃO

O Blockchain e o Bitcoin tiveram suas origens na Deep Web, também conhecida como a Internet oculta, criada por motivações de estratégia militar do governo dos EUA, que procurava uma forma de se comunicar com as frentes de inteligência hospedada em outros países sem que suas comunicações pudessem ser detectadas. Nesse contexo, em 1995 os matemáticos do Laboratório de Pesquisa Naval Paul Syverson, David Goldschlag e Michael Reed, iniciaram os trabalhos de pesquisa de um conceito chamado "roteamento cebola". A pesquisa transformou-se no projeto The Onion Router, mais conhecido como TOR, que foi oficialmente divulgado em 1996.[1]

Direfente dos sites convencionais que possuem sufixos com .com.br, .co.uk, .edu.br, .usp.br entre outros, os sites da rede TOR tem suas terminações com o sufixo .onion que remete para o termo cebola onde, conceitualmente, tem-se que cada computador que utiliza a rede TOR recebe camadas de proteção, sendo que a retirada dessas camadas se torna mais difícil a medida que novos níveis de camadas são adicionados. Ao ser oficialmente divulgado, o ambiente recebeu a atenção de variados grupos, especialmente os hackers, uma vez que o ambiente proporcionava completo anonimato da rede, e com o passar dos anos os mais variados grupos de criminosos também começaram a orbitar no ambiente da Deep Web via rede TOR onde começava operar o mercado negro da Internet como o famoso site Silk Road. Mas havia uma problema, como estabelecer um modelo de comércio sem ser detectado, preservando o anonimato da rede?

Nesse ambiente de evolução tecnológica, surge então uma nova moeda, chamada Bitcoin, cuja criação é atribuida a Satoshi Nakamoto[2]. A identidade de Satoshi Nakamoto nunca foi revelada, e o desenvolvimento de sua moeda teve como principal motivação a evolução dos sistemas monetários e bancários, em que seus conceitos são contrários ao uso que a humanidade vem utilizando de forma forçada pelos governos ao longo dos tempos.

A implementação de contratos inteligentes dentro desse modelo é uma revolução inovadora em que este trabalho procura contribuir.

2 - BITCOIN

Conceitualmente, o Bitcoin consiste de uma unidade de medida para ser utilizado em um sistema de troca de moeda on-line. Ao contrário de moedas controladas por governos como o Real pelo Brasil, e o Dolar pelos EUA, entre outras, não há um governo envolvido no controle do Bitcoin. A moeda é negociada dentro de uma rede ponto a ponto, que utiliza sofisticados processos criptográficos para construir a confiança em torno de cada transação. Como moeda, o Bitcoin incorpora um conceito de escrituração conhecido como Blockchain, que será melhor detalhado no capítulo 3.

Por se tratar de uma moeda virtual, não há papel moeda no ambiente Bitcoin. A moeda é representada por uma conta, que nada mais é que um número que corresponde a uma conta Bitcoin ou, do inglês, “Bitcoin Account”.

Todos os programas que operam contas Bitcoin podem ser executados em computadores pessoais ou smartphones, e eles permitem aos usuários realizarem as transações através do sistema Blockchain.

Exemplificando, uma solicitação de transação de Bitcoin consiste dos seguintes elementos:

a) O número da conta Bitcoin do pagador, que contém a fonte de recursos para efetuar o pagamento;

b) O número da conta Bitcoin do beneficiário, que receberá os recursos;

c) A quantidade de Bitcoins que serão transferidos.

Sabendo-se que uma cadeia de blocos contém o histórico de todas as movimentações de entradas e saídas associados ao número da conta Bitcoin do pagador, que é um mineirador no sistema, e que por sua vez também atua na gerencia do sistema Bitcoin, esta pode validar se o devedor tem fundos suficientes para cobrir um pagamento ou não. A todo momento, qualquer usuário pode verificar a quantidade de bitcoins associados a qualquer outro número de conta Bitcoin. O leitor deste trabalho pode por si só realizar um teste abrindo seu navegador de preferencia, e acessar o endereço da página blockchain.info (ou blockchainbdgpzk.onion na deepweb) digitando, por exemplo, o número hash originário de uma conta Bitcoin, cujo resultado do valor calculado é 82a486c0addd42161ce8df055914c3c84bcb85ec9da2975a6220bad32c9fca1a no campo de procura (search em inglês). Será apresentada a quantidade de Bitcoin associados à conta Bitcoin de hash número 82a486c0addd42161ce8df055914c3c84bcb85ec9da2975a6220bad32c9fca1a.[3]

E embora a identidade do proprietário não possa ser conhecida a partir do número de sua conta Bitcoin ou o hash originário dela, sem que o usuário tenha fornecido esta informação, quaisquer transferências de entrada e saída de sua conta Bitcoin, bem como o seu saldo atual, estão disponíveis para visualização pública.

Uma transação de transferência de Bitcoin ocorre basicamente da seguinte forma, supondo que o proprietário da conta Bitcoin A deseja enviar 10 BTC para o proprietário da conta Bitcoin B:

1. O proprietario da conta Bitcoin A informa o número da sua conta, que é a chave pública para a qual o proprietário da conta B tem uma chave privada correspondente a conta Bitcoin A.

2. O proprietario da conta A utiliza seu programa cliente de operação com Bitcoin para enviar 10 BTC para o proprietário da conta Bitcoin B, utilizando o número da conta fornecido.

3. A transação torna-se pública na rede Blockchain, e os computadores mineiros começam a processá-la.

4. Depois que a transação passa por ciclos de escrituração suficientes na rede, atendendo a critérios sofisticados de autenticação por hashes padrão SHA256[4], ele é então liberado para a conta Bitcoin B, e seu proprietário pode fazer uso dos recursos.[5]

Compreendido o conceito básico da crypto moeda Bitcoin, vamos procurar compreender o sistema de escrituração envolvido em torno dessa moeda, que é denominado Blockchain.

3 - BLOCKCHAIN

Podemos considerar o Blockchain como um livro gigante, que contém todos os registros de contabilidade de todas as operações já efetuadas com a moeda Bitcoin, cujos registros representam a escrituração do sistema, que está disponível ao público e com novas escriturações sendo adicionadas constantemente.

Cada computador no sistema Blockchain, operando a moeda Bitcoin, é chamado de “nó”, e também conhecido como minerador. Os mineradores verificam e validam as transações em Bitcoin, e atualizam a contabilidade pública no sistema de escrituração, que é chamado de Blockchain. No contexto do Blockchain, as páginas que formam o livro razão do sistema são chamados de blocos, pela simples razão de eles representarem "blocos" de dados com as informações de transações. A cadeia de blocos, composta de muitos blocos individuais, cresce constantemente e contém todas as transações realizadas em Bitcoin desde o seu lançamento oficial em Janeiro de 2009.

Todos os membros da rede Bitcoin compartilham sua contabilidade, ou seja, sua cadeia de blocos. É como um gigante livro de contabilidade com cada página listando uma série de transações, análogo a um livro razão. Uma nova página contendo as últimas transações com Bitcoin enviadas pelos usuários em todo o mundo é adicionado a cada instante. Este gigante livro está constantemente disponível na Internet para qualquer pessoa que executa um software cliente que opera com Bitcoin.

Nos processos de transações em Bitcoin são utilizadas chaves de criptografia, de forma a garantir a segurança da operação. O sistema Blockchain emprega o sistema de criptografia assimétrica.[6]

As chaves de criptografia[7] são associadas à uma transação, e ela é chamada de assimétrica porque o algoritmo de criptografia requer um par de chaves, cada uma composta por uma longa série de dígitos. Uma delas é pública e controla a operação de descriptografia, enquanto que a chave privada trabalha na operação de criptografia, ou vice-versa, dependendo da transação.

Olhando sob o aspecto técnico, é muito fácil para o algoritmo de criptografia criar uma chave privada e derivar a sua chave pública correspondente. Entretanto, determinar uma chave privada a partir da chave pública correspondente é impraticável para um computador, do ponto de vista matemático, permitindo assim que a chave pública, como o próprio nome sugere, seja tornada pública para transitar na rede mundial. Com a chave pública, o beneficiário pode recuperar as informações da transação, permitindo a transferência de bitcoins para sua conta Bitcoin, cuja transação é escriturada no Blockchain.

Se o Blockchain fosse um sistema contábil operado de forma centralizada, essa história terminava aqui, uma vez que uma única entidade seria responsável por essa tarefa. No entanto, o Blockchain é um sistema completamente descentralizado e, como tal, essa tarefa é partilhada entre uma coleção de computadores, chamados de nós ou também de mineiros, que integram o sistema e estão distribuídos ao redor o mundo.

Os chamados mineiros, nós responsáveis pelo funcionamento do sistema Blockchain, verificam se as transações são válidas e atualizam a cadeia de blocos (Blockchain) com novos blocos de informações das últimas transações. O software cliente Bitcoin executado pelos mineiros em seus computadores individuais incorporam o protocolo Bitcoin[8], o que permite a realização das operações.

4 - CONTRATOS INTELIGENTES VIA BLOCKCHAINS

Até mesmo o conceito de contratos podem ser implementados via a tecnologia Blockchain, sistema que ganhou enorme reputação devido a sua eficiencia, autonomia e segurança.

No modelo Blockchain, cada Bitcoin é divisível até oito casas decimais, diferente das moedas dos sistemas monetários tradicionais. Essa característica permite aos usuários do sistema combinar o valor da divisão ao longo do tempo em uma única transação, o que significa que uma transação de entrada pode ter várias saídas ao longo de vários períodos de tempo, o que é muito mais eficiente do que uma série de transações, como é utilizado no sistema monetário tradicional. As empresas podem configurar contratos inteligentes para aferir um serviço e fazer pequenas frações de pagamentos em intervalos regulares.

Combinado com a infraestrutura de chaves públicas, o Blockchain confirma com propriedade a circulação de cada fração da moeda Bitcoin, sendo cada transação imutável e rastreável. Em outras palavras, não se pode negociar o que não é o nosso no sistema Blockchain, quer se trate de bens imóveis ou de direito de propriedade intelectual, entre outros.

Steve Omohundro, president da Self-Aware Systems comenta que:

“That intersection of legal descriptions and software is fundamental, and the smart contracts are the first step in that direction”[9]

Ele refere-se à integração entre os dispositivos legais e o software como sendo fundamental, ressaltando que os contratos inteligentes são o primeiro passo nessa direção.

De fato, contratos inteligentes auto-executáveis baseados em Blockchain, que implemente automaticamente os termos de um acordo entre as partes, será um passo fundamental na simplificação de processos que estão atualmente espalhados por vários bancos de dados e sistemas ERP ao redor do planeta. O sistema de compensação e liquidação de títulos do comércio, e a programação de todo financiamento para os projetos da cadeia de suprimentos do comércio, são bons exemplos de aplicações de contratos inteligentes que consideraríamos para serem implementados via Blockchain.

A versão 2.0 do Blockchain permite a implementação de contratos inteligentes, e eles representarão o próximo passo na projeção do Blockchain no cenário jurídico mundial, pelo fato de manter um registro de entradas das transações financeiras para implementar automaticamente termos de acordos multipartidários. E eles são executados por uma rede de computadores ponto a ponto que utilizam protocolos de consenso para chegar a um acordo sobre a sequência de ações resultantes do código Blockchain. O resultado é um método pelo qual as partes podem concordar com termos e tendo confiança que eles serão executados automaticamente, com risco reduzido de erro ou manipulação, validando os resultados instantaneamente, e sem necessidade de intermediários.

O Blockchain atua como um banco de dados compartilhado fornecendo uma fonte segura e verdadeira, e os contratos inteligentes podem automatizar aprovações, cálculos e outras atividades de transações que são propensas a erros.

5 - CONCLUSÃO

No Brasil, a CVM não reconhece o Bitcoin como uma moeda oficial, e as transações no sistema Blockchain tem implicações legais com a legislação Brasileira, e é assim também em muitos outros países.

E isso não acontece por acaso. Os governos trabalham de forma a tributar tudo o que existe, sendo esse o trabalho mais preciso que eles realizam. As tributações para todas as coisas que as pessoas consomem com papel moeda ou aquela digital com cartões, implica em os governos saberem o que cada um gasta e com o que. Qualquer moeda alternativa que oferece o anonimato, como o Bitcoin, apresenta aos governos um difícil desafio e uma ameaça para seus controles, e por essa razão há na atualidade investimentos multi-milionários de grandes bancos ao redor do globo fazendo projetos pilotos de operações com a moeda Bitcoin e o seu eficiente sistema contábil de escrituração denominado Blockchain.

As constantes e crescentes fraudes nos sistemas monetários tradicionais, implica refletir se esse sistema é, de fato, sustentável.

Nessa linha de pensamento, o Blockchain apresenta-se como uma excelente ferramenta de auditoria pública, uma vez que nenhum registro pode ser deletado de seus blocos de escrituração. E aliado ao modelo contábil único e inovador, apesar de seus quase oito anos de vida, é possível tornar registros confidênciais públicos e sem a menor censura.

Os instrumentos financeiros são apenas um dos tipos de contratos que poderiam se beneficiar da codificação Blockchain. Como a tecnologia ainda amadurece, assim como amadurece o entendimento da tecnologia pela comunidade mundial, outros ativos como por exemplo imobiliários ou de propriedade intelectual, também podem ser armazenados, gerenciados e comercializados no sistema Blockchain. E a medida que novos tipos de ativos migrarem para o Blockchain, os acordos utilizados para gerenciar esses ativos no mundo de hoje, como contratos de licenciamentos, podem todos se beneficiar da tecnologia Blockchain.

6 - BIBLIOGRAFIA

FORRESTER, Daniel & SOLOMON, Mark. BITCOIN EXPOSED. Today’s Complete Guide to Tomorrow’s Currency. Paperback, 2013.

CASEY, Michael J. & VIGNA, Paul. CRYPTO CURRENCY. How Bitcoin and Digital Money Are Challenging the Global Economic Order. The Bodley Head, 2015.

TAPSCOTT, Don & TAPSCOTT, Alex. Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money. Penguin, 2016.

POPPER, Nathaniel. Digital Gold. Bitcoin and the inside story of the misfitsand millionares trying to reinvent money. HarperCollins, 2015.

7 - REFERÊNCIAS

[1] Disponível em https://www.onion-router.net/Publications/IH-1996.pdf. Acesso em 15 de Out. 2016.

[2] FORRESTER, Daniel & SOLOMON, Mark. BITCOIN EXPOSED. Today’s Complete Guide to Tomorrow’s Currency. Paperback. 2013. p.20.

[3] Número hash adquirido de uma conta, aleatoriamente, via site blockchainbdgpzk.onion para fins didáticos deste trabalho.

[4] O SHA (Secure Hash Algorithm) é uma função matemática criptográfica. Um hash criptográfico é como uma assinatura para um texto ou um arquivo de dados. O algoritmo SHA-256 gera um tamanho resultado matemático de 256 bits fixo. Cada 8 bits compõem 1 byte. Logo o hash SHA-256 possui 32 bytes. O hash é uma função de sentido único, ou seja, não pode ser descriptografado de volta. Essa característica o torna muito adequado para validação de senha, e assinaturas digitais.

[5] Disponível em https://bitcoin.org/en/developer-reference#transactions. Acesso em: 16 de Out. 2016.

[6] Em 1976, os pesquisadores Diffie e Hellman criaram um conceito de segurança digital que ficou conhecido como criptografia assimétrica, também chamada de criptografia de chave pública. Eles propuseram um sistema para codificar e decodificar uma messagem com duas chaves distintas, sendo a chave pública, que pode ser divulgada e a outra mantida em segredo, sendo esta a chave privada. Funciona da seguinte forma: se codificar a mensagem com a chave privada ela somente será decodificada pela chave pública e vice-versa.

[7] Uma chave de criptografia é um conjunto de bits baseado em um determinado algoritmo, capaz de codificar e de decodificar informações. Se o receptor da mensagem usar uma chave incompatível com a chave do emissor implica que ele não conseguirá extrair a informação.

[8] Disponível em https://bitcoin.org/en/developer-reference. Acesso em: 16 de Out. 2016.

[9] TAPSCOTT, Don & TAPSCOTT, Alex. Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money. Penguin, 2016. p.135